segunda-feira, 27 de março de 2017






DEIXA A VIDA ME LEVAR

Sandra CGH




Do ponto de vida biológico é a vida que me leva mesmo. Minhas células, impulsos nervosos movem e ditam o funcionamento de tudo, o sangue bombeado pelo coração, minha visão através da retina e do nervo óptico. Respiro. Meu diafragma se contrai profundamente necessário, pulmões sopram me o ar. Inspiro. Pés que me sustentam e me levam onde quero e preciso etc.

Muitas e muitas necessidades corporais, fisiológicas, biológicas, celulares etc. Já deu pra perceber que não sou bióloga. Respeito e tenho a vida. Gerei-a também. É um sensação única a gestação.

Trouxe um ser ao mundo, aliás, dois.

Mas como enxergar a vida somente pela ciência biológica? Pra alguém de humanas, impossível. 

Além de bilhões de células, somos compostos de nossos pensamentos, ideias, sonhos, sentimentos... E aí, começamos a complicar... 

Tudo aquilo que envolve a individualidade do outro, seu mundo, compreensão, sonhos, aspirações, medos requer muito cuidado porque é um universo particular.

Esse universo particular é construído através não só de suas células, seu DNA, mas também por seu meio social. Neste meio, composto por todas as etapas de sua vida em sociedade, lugares, acontecimentos, situações e pessoas, dará a sua formação social e cidadã.

É em sua infância, sua família, seu meio social (rua, bairro, escola, comunidade) que lhe trazem e formam suas primeiras noções de viver em sociedade e de mundo.

Vivendo num ambiente apático, frívolo e fútil certamente lhe formará uma mentalidade desejosa somente de deixar realmente a vida lhe levar e de preferência de acordo com a moda do momento, sua necessidade de exibição e ser aceito em um grupo seja do bairro, da escola ou de outro determinado lugar.

Crescendo num ambiente voltado à diversidade de opiniões, ao saber ouvir, falar e se posicionar, tendo contato com diversos tipos de arte, com a formação necessária e interativa de diferentes saberes o possibilitará ter uma visão de mundo e toda a sua complexidade.

Como isso é possível na sociedade brasileira?

Vivemos num país onde livros não são acessíveis para a maioria da população. Onde políticas públicas de leitura não são estimuladas por prefeitos, muitas vezes maquiando-as. 

Funcionários de bibliotecas escolares  muitas vezes não têm a devida formação e competência necessária para trabalhar ali. Muitos gestores de escolas enxergam a biblioteca como somente um depósito de livros. Ainda ridicularizam, dificultam o trabalho de bibliotecários que possuem competência atuando como formador de leitores e suporte de outras disciplinas.

Um país onde o sonho de um "point" de uma cidade pequena é uma lanchonete de uma franquia norte americana e não um cinema, um teatro, uma pista de atletismo etc.

Vivemos num país onde não há uma política pública televisiva. Não há o menor cuidado em medir a dimensão social de certas programações esdrúxulas de nossa TV, nem o impacto na educação de crianças e jovens com programações tão sensacionalistas, violentas e fúteis. 

O entretenimento banalizou a cultura. É mais lucrativo e fácil fazer uma pessoa rir e seguir uma novela, do que explicar uma realidade, o mundo do trabalho, da produção, do mercado etc.

A TV poderia fazer uma programação que alie as duas coisas, mas consciência educativa e social, não faz parte da grande mídia brasileira.

A programação de formação de opinião, investigativa e cultural fica restrita a horários muito tardios e/ou madrugada adentro.

O trabalhador não aguenta acompanhar, desiste. Responsabilidades do trabalho e o sustento da família  pesam muito mais do que o lazer. Desiste deste, por causa do horário e seus compromissos.

Resta-lhe os jornais sensacionalistas, parciais e rasos.  Resta-lhe as novelas ocupando quase toda a grade da programação noturna. Resta-lhe os campeonatos de futebol, alterando regras, horários de transmissão, que a TV dita em seus contratos.

Não há política pública para leitores aplicada à realidade brasileira. Há o discurso, o papel assinado, o "pra inglês ver", a instalação, o prédio da biblioteca. Mas não há a visão, a prática de um planejamento público e escolar voltado à formação de leitores, manutenção e aprimoramento da leitura.

Assim, sem uma leitura diária e de qualidade, o brasileiro é condicionado a deixar a novela, o futebol, a fofoca, o último escândalo do BBB, a produção visual de uma famosa, piadas, memes, escândalos sensacionalistas... guiá-lo e despistá-lo sobre questionamentos e informações de suas reais necessidades e anseios.

Fonte da imagem: http://www.fapcom.edu.br/blog/cultura/dicas-livros-deseja-televisao.html

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